Lidando com a Raiva da Criança

Eu ví o filme Divertida Mente com o meu filho, e simplesmente adorei! Eu lí em algum site, um pai que dizia assim: quando foi a última vez que você gostou do mesmo filme que o seu filho de 8 anos? Eu confesso que adoro muitos dos filmes que o meu filho de 2 anos gosta, ele me obriga a ver Toy Story 4 quase todos os dias, e eu acho uma gracinha. Mas Divertida Mente eu virei uma verdadeira fã!

 

E o filme me fez refletir. No meu dia a dia eu penso bastante sobre a melhor forma de educar o meu filho, e hoje vemos muito na internet sobre a importância de uma educação positiva, uma educação com mais empatia com a criança.  Se você já viu o filme, continue a leitura. Se ainda não viu, sugiro muito que veja e depois continue a leitura, pois esse post contém muitos spoilers.

 

A cena que me chamou a atenção foi a discussão da Riley com o pai durante o jantar. Infelizmente não posso colocar a própria cena aqui, porque viola os direitos autorais, mas vou tentar relatar a cena para que todos se recordem. A Riley estava chateada com a mudança de cidade e o dia péssimo que ela teve na escola, a mãe puxa assunto, mas ela não responde com toda a empolgação de sempre. A mãe manda um sinal para o pai, que está viajando nos próprios pensamentos (futebol!), e ele faz a mesma pergunta que a mãe já havia feito anteriormente. Nesse momento quem entra em ação é a raiva da Riley que responde: – eu tô legal, ta? – e bufa

 

Aí quem entra em ação é a raiva do pai, que responde que não gostou dessa atitude. E mais uma vez a raiva da Riley entra em ação: – qual o problema, eu falo o que eu quero!

Nessa hora começa o rebuliço na cabeça do pai:

– Alto nível de malcriação – grita o medo

– Soe o alerta vermelho – dispara a raiva do pai – Escute aqui mocinha, eu exijo um pouco mais de respeito aqui em casa

– Aaaahhh não enche – declara a raiva da Riley – e bate na mesa

– Fogo! – manda a raiva do pai: – Já chega, vai já para o quarto! Vai!!

 

Nessa hora, a cabeça do pai festeja:

-Chutou o balde, e com razão! – declara o medo

-Muito bem senhores! Podia ter sido um desastre! – comemora a raiva

E a cabeça da mãe afirma: foi um desastre!

 

jantarraiva

 

Nós somos ensinados a combater raiva com mais raiva. Na disputa quem saiu campeão foi o pai, certo? Ou foi o ego do pai? Resolveu a situação? Ao meu ver só piorou. E se ao invés de retrucar com mais raiva ainda, o pai tivesse mantido a serenidade e perguntado se ela estava com algum problema, tentado entrar no assunto, validado o sentimento da Riley. Afinal, esse não era um comportamento comum da Riley, a menina sempre foi muito amável. E mesmo que ela não quisesse conversar na hora, talvez depois ela provavelmente procuraria essa conversa. E mais tarde, o pai foi procurar essa conversa, mas aí a menina já havia se fechado.

 

E me fez pensar quantas vezes na vida eu revidei a raiva com mais raiva? Algumas vezes… e foi eficaz? De jeito nenhum, só piorou a situação! E no caso do filme, adiantou alguma coisa? Ao meu ver não resolveu nada!

 

No dia anterior a Riley escutou da mãe que estava tudo muito difícil, mas ela tornaria mais fácil para todo mundo se as duas continuassem a sorrir. A mãe sempre age com muito carinho e serenidade, mas será que não foi jogar o peso da situação na criança? Quer dizer então que eu não posso expressar o que eu realmente estou sentindo porque senão meus pais vão ficar pior?  Talvez se a Riley tivesse conseguido verbalizar e expressar os seus sentimentos, ela tivesse conseguido se organizar e enfrentado tudo de uma forma muito melhor. Até porque o choro, é um sinal de alerta de que algo está errado. Essa necessidade de estar sempre sorrindo também é um mal da nossa sociedade, que não consegue vivenciar a situação de desconforto. Perseguimos a alegria a qualquer custo, mas a grande verdade é que somos um mix de todos os sentimentos.

 

É claro que devemos lembrar que os pais estavam cheios de problemas na ocasião também. Eles também estavam se mudando, o trabalho estava desgastante, o caminhão da mudança foi parar em outro Estado e deviam estar exaustos com tudo o que estava acontecendo. Não é sempre que conseguimos agir da melhor forma com os nossos filhos e tudo bem também. É difícil dar conta de tudo, controlar as próprias emoções para tentar compreender a do outro e se há falta de dinheiro nesse cenário, o nível de estresse sobe para as alturas. Quem me dera nós pais tivéssemos o dom de acertar sempre, pelo menos quando o assunto são nossos filhos…

 

Essa disputa de raivas é a forma que a educação tradicional nos faz agir. Porque na nossa cabeça, a criança precisa de limites! Fomos educados a repreender qualquer atitude “mal educada” da criança, porque se não agirmos assim, estamos sendo permissivos. Nossos pais agiram assim com a gente, e nós vamos agir assim com nossos filhos. E qual qualidade de vínculo com nossos filhos estamos criando se sempre agirmos assim? Agindo assim estamos ensinando o que exatamente? Lá fora a criança vai combater raiva com raiva também. Entramos num ciclo eterno de violência do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, onde o mais forte despeja a sua raiva no mais fraco, que vai replicar o mesmo comportamento com quem é mais fraco que ele. O filho mais velho vai fazer o mesmo com o irmão mais novo, porque foi ensinado que a vida é assim.

 

 

violencia

 

E me fez pensar quantas vezes na vida eu revidei a raiva com mais raiva. E foram algumas vezes sim… e foi eficaz? De jeito nenhum, só piorou a situação! Note pelo próprio filme que a tristeza era incompreendida, associada ao negativismo, culpa, passividade. Quando a tristeza é acolhida ela auxilia na introspecção e na integração das experiências.

 

O que proponho aqui é apenas uma reflexão lembrando que ninguém vai acertar sempre. A família do filme é maravilhosa, três pessoas fantásticas tentando fazer o melhor que elas podem. Educar é desafiador. Mas desafios também nos fazem crescer. Melhorando como mãe, eu melhoro como pessoa.

 

Nessa outra cena, o pai soube lidar muito melhor com a raiva da Riley. Vocês se lembram da cena do brócolis? O pai tenta dar brócolis para Riley, mas a Nojinho não aceita. Diante da recusa, o pai ameaça a Riley a ficar sem sobremesa caso ela não coma brócolis. E ai entra em cena a raiva: como assim vamos ficar sem sobremesa?? Toma essa!! E lá vem uma choradeira daquelas de doer os ouvidos!

 

E o pai, como reage? Desviando a atençã0: – olha o aviãozinho de brócolis. E de repente a raiva fica calminha com o aviãozinho

 

Quando a criança pequena faz birra ou tem um ataque de raiva, não adianta brigar com ela, isso só vai piorar a situação. A raiva dela vai crescer ainda mais. Tente mudar o foco, e a raiva dessa criança vai ficar mansinha de novo. Acredite!

 

brocoli

pictured (l-r): riley andersen, riley’s dad. ©2015 disney•pixar. all rights reserved.

 

Agora uma curiosidade. Na versão japonesa, a Pixar trocou o brócolis pelo pimentão. Parece que os japonesinhos não sentem essa aversão toda pelo brócolis, mas em compensação pelo pimentão.. eca!

 

pimentao

 

Vamos explorar mais um pouco as mensagens do filme?

A Riley cresceu. E a mudança de cidade até pode ter sido um gatilho para todas as alterações na cabeça dela, mas iria acontecer de qualquer forma. Todas as ilhas se destruíram: a ilha da família, a ilha da bobeira, a ilha das amizades, do hockey, da honestidade. Porém algumas se reconstruíram, como a ilha da família. Essa ilha continua importante, porém provavelmente ela se reconstruiu de um jeito diferente. Na primeira infância nossos pais são nossos ídolos, nossos super-heróis, eles são tudo para nós. A Riley já está quase na puberdade… os pais já não são o centro de tudo. Note pela última cena que ela já sente um vergonhazinha dos pais torcendo por ela no jogo de hockey.

 

Já a ilha da amizade se expandiu, ela fez novos amigos. Tem a ilha dos vampiros românticos, a ilha fashion. Ela é quase uma adolescente.

 

Na primeira infância, apenas uma emoção dominava, e geralmente era a alegria. De vez em quando poderia surgir a raiva, e só a raiva dominava, as vezes era o nojinho que não queria comer o brócolis, e mais uma vez só o nojinho dominava.  A tristeza até então ninguém sabia ao certo porque ela exista, e era meio excluída por todo mundo.

 

Porém, quando crescemos as emoções ficam mais complexas. Não é apenas uma emoção que domina. As lembranças podem se tornar uma mescla de dois sentimentos. Note que no final, as lembranças não tem apenas uma cor.

 

Por exemplo, as lembranças alegres que a Riley tinha da antiga casa, agora viraram um misto de alegria com tristeza, que nada mais é do que a melancolia. E esse sentimento híbrido é uma parte saudável e normal do crescimento. Veja essa tabela criada pelo site vox.com nos mostra qual a emoção derivada de 2 emoções principais:

 

tabeladivertida

 

Note também que no final do filme, a aparelho que controla as emoções fica maior. Agora vários sentimentos conseguem controlar ao mesmo tempo, diferente de antes que cada sentimento controlava de cada vez. E a luzinha da puberdade poderá acender a qualquer momento. Interessante né?

 

E você? Já parou para pensar se algum sentimento em você é o mais dominante? Quais são as suas ilhas? Será que alguma  ilha já foi destruída, mas você tem vontade de reconstruir? Por aqui, quando meu filho nasceu tenho certeza que foi criada a ilha “maternidade” e com certeza essa ilha ficou bem expansiva, talvez diminuindo o espaço das outras ilhas. Em compensação, a “ilha maternidade” criou a “ilha Aknamaya”, proporcionou conhecer novos amigos e selecionou os melhores para permanecer na “ilha da amizade”  e solidificou a “ilha da família”.

 

E se o seu filho está com 2 anos, não deixe de ler nosso post sobre “os terríveis 2 anos”

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